Médico que atende pelo SUS em Londrina ganha R$ 300 mil em programa da Globo

O médico de Londrina Sidney Matsuoka, de 42 anos, deu um show de conhecimento no quadro “Quem Quer Ser Um Milionário?”, exibido pelo Domingão com Huck, da TV Globo, no último domingo (27). Ele, que atende exclusivamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde), respondeu a diversas perguntas de conhecimentos gerais e faturou R$ 300 mil.

Ao lado do apresentador Luciano Huck, Matsuoka contou a sua história, chamando atenção pela dedicação aos estudos e o forte laço com o atendimento de saúde público, que faz questão de defender. Ele também contou que deixou cinco empregos que mantinha em Sorocaba (SP) para “voltar para casa” no período pandêmico de 2020 e atuar na linha de frente contra a covid-19.

Parte superior do formulário

A participação do médico do HU (Hospital Universitário) e docente da UEL (Universidade Estadual de Londrina) não foi por acaso. Ávido por desafios, ele contou ao Portal Bonde, nesta segunda-feira (28), que viu no programa a oportunidade para se lançar ao desconhecido mais uma vez. 

“Um dia eu estava lendo notícias no site da Globo e vi um link anunciando o programa. Eu me lembro que estava tranquilo, era final de tarde no HU (Hospital Universitário), e fui preencher o formulário. O que coloquei de diferente é que sou médico infectologista e que tenho duas graduações incompletas: Ciência da Computação, na Unesp de Presidente Prudente (SP), e Ciências Biológicas, na UFSCar de São Carlos (SP). Também que tenho duas especializações, residência médica em Infectologia e em UTI (Unidade de Tratamento Intensivo). Coloquei também que comecei a trabalhar com 14 anos”, lembrou.

O programa

Antes de ir ao ar, Matsuoka precisou guardar segredo absoluto sobre a participação no programa de Luciano Huck. “A gente assina um termo de confidencialidade e não pode comentar nada até a exibição.” Para ele, a experiência vai além do entretenimento, pois o programa é um estimulador da educação. “É uma atração diferente. Percebo que é um programa que procura demonstrar como a educação é importante para as pessoas e o quanto ela pode transformar vidas.”

As gravações aconteceram de uma só vez, próximas do meio do ano, e o processo seletivo foi longo. Primeiro, uma entrevista por telefone com perguntas rápidas no mesmo formato do programa. Na segunda fase, mais questões on-line. A etapa final envolveu uma conversa com os produtores, que queriam conhecer a história de vida dos candidatos. 

“É um processo espaçado, demorou meses. Bate uma ansiedade terrível. Eu estava muito ansioso. O pessoal falou que fiquei calmo, mas não fiquei, não. Eu estava achando que ia ter um infarto a cada pergunta. Só não deixei transparecer. Entretanto, não foi o momento mais tenso da minha vida, porque eu vivi a covid, o medo diário de morrer”, disse.

Para se preparar para as “questões milionárias”, o médico reforçou conteúdos que considerava ser seus pontos fracos. “Estudei esportes, porque não sabia nada. Cultura pop, novelas, cantores. Mas acaba que não adianta, porque as perguntas são aleatórias.” No programa, ao chegar à 13ª pergunta, o professor da UEL decidiu não se arriscar e desistiu, ganhando os R$ 300 mil que havia conquistado até então.

Trajetória de estudos

Matsuoka salientou que a educação sempre foi um desafio em sua vida. Filho de pai agricultor e mãe bancária, precisou começar a trabalhar aos 14 anos para manter os estudos.

“Minha família começou a ter dificuldades financeiras e, quando a mensalidade da escola aumentou, meus pais iam ter que me tirar. Eu fui à direção e me ofereci para trabalhar como técnico de informática. Estudava de manhã e trabalhava à tarde. Foi assim que terminei o ensino médio.”

Após sair da escola, ele ingressou no curso de Ciência da Computação, na Unesp, em 2002, e, no ano seguinte, trocou para Ciências Biológicas, na UFSCar. Em 2004, decidiu seguir o sonho de ser médico e entrou na UEL, onde se formou em 2009. Entre 2010 e 2013, após passar em um concurso, atuou no Programa Saúde da Família em Londrina, até prestar residência em Infectologia na PUC-SP.

Durante a graduação, passou por dificuldades financeiras, mas nunca contou aos pais – que ainda moravam em Presidente Prudente (SP), cidade natal do médico -, tudo para evitar preocupações. “O dinheiro que eles me mandavam não dava para me manter, mas eu não falava nada para não preocupá-los. No final do curso, entrei no cheque especial e fiquei no vermelho, sem eles saberem.” 

Para juntar recursos, Matsuoka aproveitou as férias do quarto ano da graduação e trabalhou três meses no Japão. “Fui cortar peito de frango em uma indústria alimentícia. Trabalhava 15 horas por dia e ganhava 10 dólares por hora. Em três meses, paguei as passagens e voltei com 2 mil dólares. Eu nunca tinha feito nenhum trabalho braçal antes, mas estava precisando.”

Após as dificuldades e com a residência concluída, o médico se mudou para Sorocaba (SP), onde trabalhou em cinco empregos ao mesmo tempo, como concursado nas prefeituras de Sorocaba e Votorantim (SP); médico preceptor na PUC-SP; e médico nos hospitais Regional e Evangélico de Sorocaba. Segundo ele, ao longo de sua trajetória, passou em cerca de dez concursos públicos.

Atualmente, é concursado na Prefeitura de Maringá (Noroeste), trabalho que divide com a docência na UEL e com os plantões no HU. Mesmo não sendo londrinense nato, considera-se como tal pelo amor que tem ao município. “Me considero mais londrinense, porque fiz a faculdade e voltei de novo.”

Enfrentamento à covid

Quando a pandemia começou, em 2020, Matsuoka ainda estava em Sorocaba. “Estava no início da carreira e, de repente, me vi diante de uma doença nova. Me senti como um soldado indo para a guerra. Os infectologistas estavam na liderança, na linha de frente.”

A decisão de voltar para Londrina foi marcada por uma série de eventos trágicos envolvendo amigos e colegas de trabalho. “Nos primeiros meses da pandemia, começaram a morrer pessoas que trabalhavam comigo: motorista de ambulância, técnicos de laboratório e colegas médicos. Um dia, vi uma enfermeira que me lembrou da minha mãe. Era japonesa, obesa, hipertensa e diabética. Pensei: ‘Preciso estar perto da minha família’. Foi quando decidi voltar”, relembrou.

Matsuoka pediu demissão dos cinco empregos de uma só vez e deixou para trás uma rotina que lhe dava estabilidade financeira. Para ele, o importante era estar ao lado da família naquele momento de tensão. “Eu não tinha problemas de saúde, tinha menos de 40 anos, não era casado e nem tinha filhos. Se era para estar na linha de frente, que fosse ao lado de quem eu amava”, destacou. Nessa época, os pais dele já haviam se mudado para Londrina.

A mudança de cidade aconteceu enquanto o HU (Hospital Universitário) contratava profissionais para a UTI Covid em Londrina. “Foi uma das experiências mais intensas da minha vida. O medo era diário. A gente ia trabalhar sem saber se voltaria para casa sem se contaminar.”

Pouco tempo depois, uma vaga para professor temporário na área de infectologia foi aberta na UEL. Segundo ele, retornar para o local onde se formou em um momento tão crítico foi significativo. “Eu gosto muito de Londrina. Saí para me qualificar, mas sempre quis retornar. Voltar em plena pandemia, mesmo ganhando menos, fez sentido”, afirmou.

Entretanto, Matsuoka relatou a tristeza de deixar os “seus companheiros de guerra” em Sorocaba, mesmo que não fosse para fugir da luta, mas, sim, para enfrentar outra batalha. “Voltei com peso na consciência também, porque o pessoal lá de Sorocaba estava precisando de mim, mas todo mundo compreendeu.”

‘Me sinto mais útil no SUS’

Mesmo com o prêmio de R$ 300 mil, Matsuoka garante que não pretende sair do atendimento público. Pelo contrário: pretende investir nele. O médico quer se qualificar academicamente para compartilhar ainda mais conhecimento. “Quero fazer uma pós-graduação no exterior, aumentar meu grau científico para seguir na docência. Não tenho mestrado nem doutorado, então vai ser uma oportunidade única”, afirmou.

Sem um consultório fixo, ele garantiu que o seu lugar é no SUS, onde pode retribuir à sociedade as oportunidades que recebeu da vida. “Eu me sinto mais útil no SUS. É um trabalho mais recompensador, pessoalmente falando. Considerando tudo que vivenciei, eu prefiro assim. O que não quer dizer que eu não fique cansado, porque é desgastante também.”

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