São Paulo – Quando Cecília (Maeve Jinkings) entrou em coma em “Vale Tudo” e Laís (Lorena Lima) ficou à deriva em uma ilha deserta, Marco Aurélio (Alexandre Nero) viu aí uma excelente oportunidade para conseguir a guarda de Sarita (Luara Victoria Telles), filha adotiva das empresárias, e tentar a guarda definitiva da menina. Mas será que a lei brasileira permitiria algo assim na vida real?
Fernando Felix, advogado de família, tem acompanhado os desfechos desse núcleo da novela das 9 e explica que essa história não seria possível de acordo com as leis brasileiras. Ele explica que quando a adoção é realizada pelos caminhos legais, a criança passa a ser filha para todos os fins jurídicos e o vínculo familiar formado por sentença de adoção assegura à criança todos os direitos e garantias decorrentes da filiação.
“O simples fato de uma das mães estar em coma, por si só, não representa risco de perda da guarda ou da criança, salvo se houver uma situação concreta de abandono, maus-tratos ou incapacidade absoluta de ambas as mães para garantir o cuidado necessário. Nessas hipóteses extremas, e somente após apuração em procedimento judicial próprio, poderia haver discussão acerca da guarda. Fora dessas situações, a família adotiva regularmente constituída permanece protegida e resguardada juridicamente”, comenta.
Contudo, o especialista ressalta que o acidente da personagem de Maeve Jikings poderia, sim, ter um impacto impacto significativo no processo, mas não de forma automática. Fernando detalha que quando a adoção ainda não foi finalizada, como é o caso de Sarita, qualquer evento grave envolvendo um dos adotantes, como o coma, será objeto de avaliação pelo juiz responsável pelo processo, sempre com foco na proteção do interesse da criança.
“Caso a outra mãe, no caso Laís, permaneça apta para garantir o cuidado e demonstre vínculo afetivo consistente, o procedimento de adoção pode prosseguir normalmente, justamente por ter como prioridade a preservação da continuidade dos laços familiares e a segurança afetiva da criança. Assim, o fato isolado de uma das mães estar em coma não constitui impedimento à adoção”, detalha.
Mesmo diante de uma situação extrema, como aconteceu com o casal de empresárias, o personagem de Alexandre Nero mesmo como tio da criança não poderia requerer a guarda dela simplesmente porque a adoção ainda não foi concluída e uma das mães está em coma. De acordo com o advogado, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) prioriza sempre quem já exerce, de fato, o papel de cuidador, preservando o vínculo afetivo e a estabilidade da criança.
“A ausência temporária de uma das mães, por motivo de saúde, não caracteriza abandono. Só seria possível cogitar a guarda para o tio se houvesse comprovação judicial de total impossibilidade das mães exercerem qualquer função parental. Para a adoção, o rigor é ainda maior: só ocorre após a perda definitiva do poder familiar, mediante decisão judicial. O parentesco, por si só, não autoriza o pedido de guarda ou adoção.”
Outro ponto importante que Fernando Felix destaca é que Marco Aurélio jamais poderia ter ido a Paraty, no interior do Rio de Janeiro, para buscar a menina e se complicaria muito no mundo real ao roubar os documentos de adoção de Sarita.
“Ele não tinha direito de retirar a criança do lar sem autorização das mães ou decisão judicial. Mesmo sendo tio e parente mais próximo, a lei não autoriza parentes a tomarem decisões desse tipo. Essa conduta pode configurar subtração de incapaz, que é um crime previsto no Código Penal. O fato de furtar documentos agrava ainda mais a situação”, diz.
Por fim, o especialista ainda explica que uma “adoção à brasileira”, quando alguém registra uma criança como filho sem passar pelo processo legal de adoção, também não seria uma possibilidade para o vilão.
“É uma prática ilegal, que pode ser anulada e trazer consequências sérias. O caminho correto é procurar o poder judiciário”, pontua.
Fonte: CNN